quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Marcelo Mário de Melo é jornalista, nasceu em Caruaru e veio para o Recife com nove anos de idade. Escreve poemas, histórias infantis, mini-contos e textos de humor.

  • Atividade profissional

  • É Assessor de Comunicação Social da Fundação Joaquim Nabuco, Recife-PÈ, entidade vinculada ao Ministério da Educação. Colabora com artigos na seççao Opinião do Jornal do Commércio, Recife-PE.

  • Edita e produz textos jornalísticos, publicitários e politicos e faz copidescagem de trabalhos acadêmicos. Eventualmente participa de bancas examinadoras na UFPE e na UNICAP, gradução em jornalismo impresso. Dá cursos de expressão oral e escrita e iniciação à linguagem poética.
  • Publicou:
    . Os Quatro Pés da Mesa Posta (poesia)
    . Manifesto Masculinista (humor)
    . Entre Teias e Tocaias (perfil parlamentar de David Capistrano/pai, ex-deputado de Pernambuco e desaparecido político a partir de 1973
    . Manifesto da Esquerda Vicejante Mais Textos e Poemas
    . Perfil Parlamentar de Josué de Castro
    . Folhetos de Cordel - A História do Poeta que Sonhava Ser Bancário; Por que, Porquê, ...Porque, Porquê - Vamos Aprender a Usar, entre outros
    . Participa de diversas antologias poética.

  • Na década de 80, no Recife, foi redator e editor do jornal O Povão, participou da fundação da Equipe de Comunicação Sindical – Ecos, exercendo a chefia de redação, e atuou no tablóide O Rei da Notícia com artigos e entrevistas.

  • Foi diretor de Ações Culturais da Fundação de Cultura Cidade do Recife, presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife, diretor da Coordenadoria e da Diretoria de Cultura da Secretaria de Educação de Pernambuco, presidente da Fundação de Cultura de Caruaru, diretor de Ações Culturais da Fundação de Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE.

  • Foi assessor de imprensa da Fundação de Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, dos deputados estaduais Jorge Gomes e João Paulo, do deputado federal Fernando Lyra, e redator da Makplan – Marketing e Planejamento.

  • Atuou na coordenação do Grupo de Acompanhamento Constituição Estadual de Pernambuco e no Grupo de Articulação Cidadania Popular, organizados pelo Fórum das Organizações Não-Governamentais e voltados para a elaboração da Constituição Estadual de Pernambuco, da Lei Orgânica e do Plano Diretor do Recife.

  • Política

  • Integrou-se ao PCB aos 17 anos de idade, foi fundador do PCBR em 1968, atuou na clandestinidade, teve a prisão preventiva decretada em 1970 e foi preso político em Pernambuco de março de 1971 a abril de 1979. Filiou-se ao PT em 1980, desfiliou-se em 1990 e reintegrou-se em 1994, sem ter se ligado a nenhum outro partido no intervalo, o que equivale a um segundo casamento com a mesma mulher.

  • Politicamente identifica-se como plebeu, republicano, democrata-popular, cidadão de esquerda, socialista, pluralista e seguidor do Detran - sempre à esquerda, não ultrapasse pela direita.

  • Entende que a função do militante político, do intelectual, do artista e do profissional é ajudar o povo a viver e conviver melhor, lutando contra a fome, o raquitismo político, a subnutrição cultural e a corrupção visceral, os desníveis de renda e os desníveis de mando. É favorável a uma radical redução das hierarquias em todas as instâncias da vida.

  • Considera o eleitoralismo uma das mais perniciosas e recorrentes mazelas da esquerda brasileira e participa de campanhas eleitorais com acentuado senso crítico, seguindo o lema: Dê Voto Sem Ser Devoto.

  • Alerta, entre os militantes políticos alinhados à esquerda, sobre os malefícios dos cinco D: Desencanto, Desinteresse, Desmobilização, Decadência e Direitização, que podem ser ativados pela tendência a vincular os prazos do processo histórico, contados por décadas e séculos, aos prazos da biografia individual, somados ano a ano.
  • Defende uma militância com poesia, prazer, amizade e humor. E uma esquerda com raízes, caules, folhas, flores e frutos.
  • Definições gerais

  • Tem três referências fundamentais na vida:
    a esperança crítica - nem otimismo nem pessimismo, o o real tal qual viceja ou apodrece;
    a megalomania moderada - grandes projetos com um redutor;
    o narcisismo com espelho retrovisor - para que todos possam ver a própria cauda.
  • Sendo plebeu e republicano, define-se como materialista e ateu por uma razão essencialmente política: os seguidores do Altíssimo querem implantar na terra o Reino de Deus e não lhe é aceitável essa forma de governo.
  • Considera-se um poeta materialírico e entende que o exercício da palavra poética não deve ser transformado numa nova modalidade de culto.

  • Vê a poesia como uma espiral-arco-íris de portas abertas andantes, envolvendo os mergulhos introspectivos, a vida social e as viagens cósmicas.
  • Com relação a verdades absolutas e inquestionáveis, acredita que a terra roda.
  • Pessoal

  • É casado com a jornalista Kalinne Bezerra de Medeiros, com quem tem três filhos: Guilherme (14), Lara (10) , Mateus (8), além dos anteriores, Uyatam e Antônio, ambos com 20. Considere-se o ano-base de 2008.

  • Aos 62 anos definiu um Plano Octonal até os 70. Agora com 64, pretende ver os netos do seu filho mais novo e assistir à abertura da Campanha Internacional de Vacinação Anti-AIDS. Mas como se pode morrer a qualquer momento, por ação de mal súbito, acidente de trânsito ou assaltante na esquina, redigiu uma carta de despedida e a programação da sua festa funeral de ateu, para o uso devido a qualquer tempo.

Entrevista de MMM ao Porta Voz [ http://www.edite.com.net/]

O nosso bate-papo desse mês é com o jornalista caruaruense Marcelo Mário de Melo, escritor de poemas, histórias infantis, mini-contos e texto de humor. Esquerdista por convicção e vocação, vê a poesia como uma espiral-arco-íris de portas abertas e andantes, envolvendo os mergulhos introspectivos, as interações sociais e as viagens cósmicas.

No último dia 16, no Café Continente, dentro da Bienal do Livro, Marcelo lançou o Manifesto da Esquerda Vicejante Mais Textos e Poemas, com prefácio de José Paulo Cavalcanti Filho e, nas orelhas, notas do histórico militante socialista Apolônio de Carvalho, do ex-prefeito de Santos, David Capistrano Filho, e do engenheiro Cândido Pinto de Melo, ex-presidente da UEP – União dos Estudantes de Pernambuco, vítima de um atentado político em 1968. Na contracapa o escritor Luiz Fernando Veríssimo, num bilhete ao autor, diz que “o livro vai ser um estouro no bom sentido (ao contrário dos estouros ruins por esse mundo de bush-ladens”.

O Porta-Voz – Vamos iniciar o nosso bate-papo falando sobre o novo livro, que começou a ser escrito em 1994, portanto no século passado. Por que tanto tempo 11 anos para a publicação?

Marcelo - Vivo escrevendo poemas, textos de humor e histórias infantis, paralelamente a artigos e trabalhos ligados à minha sobrevivência como jornalista e redator. Comecei a juntar coisas para publicar num volume grosso de humor, composto basicamente de 5 manifestos: Esquerda Vicejante, PCdoBB, Monarquia Pós-Moderna, Ateísmo Solidário e o Masculinista republicado. A estes se somariam outros textos menores, de diversas épocas. O meu projeto era correr atrás de edição desse livro no fim deste ano. Mas a emergência da atual crise política me levou a precipitar a publicação do Manifesto da Esquerda Vicejante, junto a textos e poemas afins, alguns deles motivados pelas coisas do pós-Lula e pelos acontecimentos recentes. A demora da publicação, em parte, é devida a descuido. Em parte, também, pelo fato de incidir sobre um texto de humor uma dificuldade específica. Ele pode ser muito fino para um livro e muito comprido para o tamanho de um artigo. Aí a gente vai juntando. Mas o fato é que os 11 anos não afetaram a atualidade do texto. Isto porque comecei a me preocupar mais com determinados paradigmas da esquerda brasileira, determinados cacoetes que se manifestam independentemente das conjunturas e a que dei o nome de paradogmas.

PV - O que você gosta mais de escrever: contos, poesias, textos ou histórias infantis?

MMM
- O prazer é grande em todos os casos. Mas acho que os textos de humor e os poemas ficam na dianteira, ocupando os segundos o primeiro lugar.

PV – Diante de toda essa crise política pela qual passa a esquerda em nosso país, qual a melhor saída?

MMM
- A melhor saída é rever as experiências e as propostas que mais estimularam as rupturas com a mesmice e a abertura de novos caminhos, e se inspirar nelas. Experiências como as duas greves do ABC paulista, a mobilização para a Constituinte. Propostas como a de organizar um sindicalismo classista, combativo e organizado pela base, nas fábricas. Como a estruturação de um partido político que atuasse no institucional sem esquecer o enraizamento nos movimentos sociais. Segundo está colocado no Manifesto Programa de fundação do PT. Estou defendendo a proposta da militância quadrangular, centrada no equacionamento destes itens: a fome (simbolizando todas as questões de caráter material – teto, terra, trabalho, saúde, educação etc), o raquitismo político, a subnutrição cultural e a corrupção visceral. É preciso abrir uma chave em torno de cada um desses quatro itens e traçar para a militância linhas de ação e organização diferenciadas. Sem isto se corre o risco de pensar como guerrilheiro e agir como general reformado. A gente vê por aí muito discurso avançado montado em práticas convencionais, que não exploram ricos mananciais que existem no universo da organização popular.É bom sempre lembrar que Marx identificava a ação revolucionária como a crítica prática. O que hoje pode ser chamado de prática alternativa ou mudança de paradigmas na ação cotidiana. Sem isso, o que verificaremos serão determinadas melhorias dentro do velho modelo. Sem novos paradigmas de ação política militante, estaremos incorrendo na ousadia na moderação, cujo resultado é sempre a mesmice melhorada, que não desce às raízes e não abre o caminho para o enfrentamento de problemas seculares e abismais que predominam na república brasileira.

PV – Caiu o muro de Berlim, caiu o comunismo em quase todo mundo, a esquerda subiu ao poder em vários países, inclusive no Brasil. Você é um militante de esquerda histórico, foi preso durante a ditadura militar e tem sempre se mantido fiel à sua ideologia. Valeu a pena a sua luta?

MMM - É claro que valeu e continua valendo. O que caiu porque era falho nas suas bases de sustentação, tem que ser repensado. Os erros cometidos têm que ser corrigidos. É preciso começar e recomeçar um milhão de vezes, procurando sempre novos caminhos à esquerda. Porque à direita nada de novo poder ocorrer, a não ser a sofisticação da opressão e o aprofundamento da barbárie. Hoje, inclusive, o leque de opções para uma ação militante é muito mais amplo do que no tempo da minha juventude, em que predominava uma pauta muito marcada pelo economicismo desenvolvimentista e havia na sociedade um peso muito forte do anticomunismo. Hoje se trata de meio ambiente, gênero, orientação sexual, privacidade, controle civil, assédio e tantos outros itens de um cardápio variado e saboroso.

PV – No bate-papo do mês de setembro, Frei Betto disse que o mais difícil de suportar na prisão foi o sofrimento dos companheiros. Pra você, o que foi mais difícil?

MMM - A tortura é uma coisa muito difícil e a fragilidade diante dela também é um elemento doloroso. Depois que se sai da fase de interrogatório e se passa à fase de cumprimento de pena, o mais difícil é agüentar a briga de gato com rato dos diretores de penitenciária, sempre procurando cercear mais, como se a falta de liberdade, por si só, já não fosse uma punição terrível.A cadeia coloca um leque de dificuldades sobre o preso. Nas relações afetivas, no acesso à leitura, na restrição à privacidade. Morar anos e anos com cinco seis pessoas na mesma cela é um excesso de convivência terrível. É a verdadeira poluição humana. Os anos de prisão ensinam a gente a ser mais sensível com a questão da individualidade.

PV
- Como é o seu processo de criação de um livro, você escolhe um tema e se prepara para escrever sobre ele ou a inspiração surge e, a partir daí, você vai escrevendo?

MMM
- Vou escrevendo textos como se estivesse dando respostas. Trabalho em diversos textos ao mesmo tempo, como quem está jogando damas e, ora empurra uma pedra, ora empurra outra. Na minha produção tenho os temas recorrentes. Vou escrevendo em sintonia com eles e juntando. Em poesia, todos os meus textos são agrupados em quatro grandes blocos: a Pá e a Lavra (poemas sobre poesia), Esquerda de Quem Vem, Direita de Quem Vai, Amor & Cia. Ltda e Gerais e Umbilicais (aqueles que tratam das coisas mais diversas). Em matéria de humor, os meus textos, na sua quase totalidade, têm um componente de sátira política. A idéia de um livro surge a partir de um certo volume de produção de peças isoladas.

PV - Você costuma reler seus textos depois de um tempo? E qual a sensação: do dever cumprido ou sente vontade de reescrever tudo? Nesses 11 anos de preparo desse livro, houve muitas releituras?

MMM - Vivo lendo e relendo meus textos e, aqui acolá, mexo neles. Não sinto nenhum impedimento em mexer num texto que já foi publicado. Não há sacralidade nenhuma.

PV - Você já se arrependeu de ter publicado alguma coisa, livro ou texto?

MMM - Não é mesmo me arrepender. Mas é você publicar uma coisa e, dez a doze anos depois, não se dispor mais a publicá-la, por uma questão de ter apurado mais as suas concepções ou a sua técnica. Fica como se aquele texto tivesse para você, mais, uma função didática, representando um momento do seu aprendizado.

PV – Que tipo de texto lhe dá mais prazer em escrever?

MMM - O texto novo. O que está na vez. Mas em geral, como já disse, poesia e humor disputam o primeiro lutar na fila.

PV - Algum livro novo para os próximos 11 anos?

MMM - Tenho vários. Na Floração dos Girassóis Vermelhos é um livro com poemas políticos. Poesia Pra Que Te Quero vai reunir uns 250 poemas em torno dos quatro blocos a que me referi anteriormente. Um volume de humor com o Manifesto do PCdoBB e o Fundamentos da Monarquia Pós Moderna – Uma Alternativa à República Imperial. Outro com o Manifesto do Ateísmo Cósmico e o Manifesto Masculinista (republicado). Um livro de histórias infantis. Outro de minicontos e casos. Todos estes, praticamente prontos, dependendo só do ordenamento dos textos. Pretendo também escrever um livro reportagem intitulado Pau Nosso de Cada Dia (Um Livro do Cacete!), tratando de coisas ligadas a sexualidade masculina, doenças sexualmente transmissíveis, andrologia, andropausa, broxamentos e ejaculações precoces. Há um capítulo intitulado Mulheres Falam Pra Caralho, em que uma roda de mulheres abre o verbo de maneira nada simbólica sobre o falo.
PV - Onde as pessoas interessadas poderão adquirir seu livro?

MMM - A partir da próxima semana ele estará nas livrarias dos shoppings, nas livrarias centrais e em algumas bancas de revista, como a do Globo, na Avenida Guararapes. Os interessados também poderão se comunicar comigo por e-mail que mandarei pelo correio.

PV - Vamos agora ao jogo rápido: o melhor livro que já leu.

MMM - Crime e Castigo.

PV - Melhor livro que escreveu

MMM - O atual.

PV - Uma tristeza

MMM - Morte de amigos.

PV - Uma alegria

MMM - Rever amigos.

PV - Uma saudade

MMM - Ver a lua cheia beijando o mar no Porto do Recife, e os navios aflorando e desaparecendo no mar, coisas agora impossíveis, pela muralha colocada para instalar o Parque das Esculturas.

PV - Uma paixão

MMM - Brincar com as palavras.

PV - Música que mais ouve

MMM - MPB.

PV - Uma dúvida

MMM - O passo seguinte.

PV - Uma certeza

MMM - A terra roda.

PV - Uma cidade

MMM – O Recife.

PV - Qual o lugar que gostaria de voltar sempre?

MMM – O Rio de Janeiro.

PV - E qual o que jamais voltaria?

MMM
- A cadeia. Se ainda passar por alguma ditadura no Brasil, quero conhecer as agruras do exílio.

PV - Uma frase

MMM – “Sonho que não aprende a nadar, morre afogado”. É de José Cândido de Carvalho em Os Mágicos Municipais.

PV - Um sonho

MMM - Uma greve geral bem sucedida no Brasil, com o apoio de panelaços e manifestações, em sintonia com um governo de esquerda e uma boa base parlamentar.

PV - Uma esperança

MMM - Viver muito, com espírito crítico, humor e poesia, ter muitos netos e assistir à abertura da Campanha Internacional da Vacinação Anti-AIDS.

PV – Marcelo, muito obrigado.


Marcelo Mário de Melo: agitador em tempo integral/entrevista

Marcelo Mário de Melo, em 1968, tinha 24 anos e era militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) no Recife. Foi preso político nos anos 70. É autor de “Manifesto da Esquerda Vicejante”. Hoje jornalista, escreve poemas, textos de humor e histórias infantis. É uma das cabeças mais lúcidas e criativas da esquerda pernambucana. No Recife, falou ao repórter Marcelo Abreu [11.05.2008] sobre sua atuação na política no final dos anos 60.

Marcelo Abreu - O que você fazia durante o ano de 1968?

Marcelo Mário de Melo - A partir de 1966, trabalhei num escritório de elaboração de projetos econômicos para a Sudene, de propriedade de pessoas de esquerda demitidas da Sudene pela ditadura. Nesse período fazia a revisão do jornal do Comitê Estadual, o “Combater”. Em julho de 1968 tive de abandonar o emprego, por questão de segurança. A essa altura já estava no Comitê Regional do PCBR, fundado oficialmente no mês de abril, e atuando 24 horas por dia. Era o secretário de imprensa do partido e cuidava de todas as suas publicações, como os jornais mimeografados “Luta de Classe” e “O Trabalhador, este distribuído em portas de fábrica e em bairros operários, com tiragem de 15 mil exemplares.

MA - Qual foi sua formação política anterior, que resultou na intensificação da militância no final dos anos 60?

MMM- Já antes de 1964 fui articulador da luta interna no PCB, ao qual me filiei em 1961, na base do Colégio Estadual de Pernambuco, com 17 anos. Participei da Campanha da Legalidade, pela posse do vice-presidente João Goulart, quando da renúncia de Jânio Quadros. Aquilo foi uma amostra grátis de golpe de Estado. A partir dali intuí que era preciso que a esquerda estivesse preparada para enfrentar um golpe. O sexto congresso do PCB foi convocado em 1964 e essa questão foi largamente colocada nos debates que rolaram, interrompidos pelo golpe militar. A partir daí a discussão central foi se o golpe surgiu porque não nos preparamos para enfrentá-lo ou porque radicalizamos e facilitamos a articulação da direita. Em 1967, o VI Congresso foi novamente convocado. E uma ala do partido colocava a necessidade de se preparar, agora, para enfrentar a ditadura pelas armas – as ilusões legalistas, a necessidade de reorganizar os movimentos de massas a partir das bases. O partido se dividiu ao meio. Aqui em Pernambuco, a grande maioria ficou com o PCBR, do qual participei desde o primeiro momento, no Comitê Estadual de Pernambuco e, depois, no Comitê Regional Nordeste. O PCBR propunha a necessidade de organizar um partido de perfil marxista-leninista, com atuação nas frentes de massas, mas também com o desenvolvimento de ações armadas. Participei, como orador, do comício relâmpago armado feito em frente à fábrica da Macaxeira, em 1968, às 4h45 da manhã, no aniversário de morte de Che Guevara. Distribuímos panfletos, pichamos o muro e penduramos na fiação um mural com a imagem de Che. Todos estávamos ostensivamente armados de 38. Um grupo ficou em frente ao comissariado de polícia, com espingarda 12, para impedir a saída de policiais, que não ocorreu. Peguei três anos de cadeia por isso. Me envolvi numa ação armada em Natal, para a retirada de uns equipamentos de imprensa de um colégio americano, situado na periferia da cidade, perto de uma BR. Fomos surpreendidos pelos vigias e foi tiro pra todo lado, no escuro total, e ninguém acertou ninguém. Foi uma participação eventual, porque eu não fazia parte do núcleo militar, por opção pessoal. Faltava uma pessoa para a ação, eu estava por lá e me propus.

MA - Você já estava na clandestinidade?

MMM - De 1964 até meados de 1968 combinei a atuação clandestina com a vida legal, trabalhando e morando com a minha família, que tinha uma pensão no Recife, na rua Visconde de Goiana, na Boa Vista. Em meados de 1968 deixei o emprego e virei revolucionário 24 horas, dedicado à imprensa do PCBR, a discussões, produção de textos e viagens.

MA - Aquele ano representou coisas diferentes em partes diferentes do mundo. O que foi 68 na sua vida pessoal?MMM - Foi um ano de dedicação militante, como se o processo histórico estivesse sobre as nossas costas. O importante era fazer a revolução. A participação nas passeatas estudantis que aconteceram no Recife, a influência das lutas na França, as guerrilhas na América Latina, a guerra no Vietnã, a polêmica teórica entre os partidos comunistas da URSS e da China, a Primavera de Praga e a invasão da Checoslováquia, que o PCBR condenou publicamente, foram questões marcantes. Culturalmente, havia a “Revista da Civilização Brasileira”, as colunas de Stanislaw Ponte Preta e de Millôr Fernandes, os festivais de música, o tropicalismo, os filmes de Glauber Rocha. O livro “A Revolução Brasileira”, de Caio Prado Júnior, trabalhos de Florestan Fernandes, Andrew Gunder Frank, Paulo Mercadante, Octavio Ianni, José Honório Rodrigues, eram devorados por nós para subsidiar as definições político-programáticas. Também passei a desenvolver mais intensamente minha atividade literária, escrevendo poemas. A leitura de Maiakovski foi marcante. Também tive uma paixão bem-sucedida, um namoro que durou até a minha prisão, em 1971.

MA - Você acha que já havia, naquele ano, a percepção de que muitas coisas estavam acontecendo – mais do que em anos anteriores?

MMM - Acontecimentos importantes, no Brasil e no mundo, teciam a sensação de que se vivia num momento especial. Rolavam polêmicas dentro do marxismo, publicando-se livros e artigos a respeito. Ocorriam rachas nos antigos PCs. Havia a luta estudantil e anti-racista nos Estados Unidos, conjugada ao repúdio à Guerra do Vietnã. O Maio francês, além da estudantada, colocou em cena os trabalhadores, que em larga medida questionaram a direção do PCF. Embora com limitações, começava-se a questionar o modelo do socialismo real, e a invasão da Checolosváquia foi um divisor de águas, neste sentido. É claro que, entre nós, predominava uma visão meio otimista e ascensional de tudo aquilo. Internamente, o AI-5 veio a ser a patada de realismo azedo, mostrando a outra face da moeda. E aqui, mais uma vez na história do Brasil, o humor marcando a sua presença. Depois do AI-5, Millôr Fernandes escreveu na sua coluna na “Veja”: "Se é gostoso, faça logo. Amanhã pode ser ilegal".

MA - No Recife, que acontecimentos mais marraram no campo político e cultural?

MMM - Em 1968, transbordou no Recife todo o trabalho de rearticulação do movimento estudantil, que vinha sendo feito desde 1964 e estava mais ou menos consolidado em 1967. As passeatas estudantis eram engrossadas pela população. Depois da morte de Edson Luís, houve um contágio nacional e um recuo da ditadura, que permitiu as passeatas. No Recife, saindo da Católica, numa tarde, foram mais de 20 mil pessoas. E houve uma coisa curiosa: uma passeata de camelôs saiu do mercado de São José e, no meio da ponte Duarte Coelho, se encontrou com a que vinha pela avenida Conde da Boa Vista. Augusto Lucena era o prefeito, perseguia os camelôs, e os tornamos nossos aliados, solidarizando-nos com eles nos comícios relâmpago. Senti que havia clima favorável e propus que, independentemente do comando da passeata, puxássemos os camelôs. Deu certo. O fato está registrado numa foto de um dos jornais locais. Lembranças eróticas daquele tempo são bandeiras americanas pegando fogo, cavalos e cavaleiros derrubados no chão por paisanas, bolinhas de gude, carros de polícia virados e coquetéis molotov distribuindo chamas.

MA - Que tipo de informação vocês recebiam por aqui, naquele ano?

MMM - Colocam-se no ano de 1968 coisas que já vinham se insinuando alguns anos antes. O feminismo já se apresentava. Pessoalmente, foi em 1968 que li “A mística feminina”, de Betty Friedan. Mas a leitura de “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir, já rolava antes. Nos círculos de militância da minha proximidade se colocava a questão da fidelidade também para os homens, a divisão dos trabalhos domésticos nos aparelhos clandestinos e a participação das mulheres nos órgãos de direção. No terreno da sexualidade, as questões que sobressaíam eram a quebra do tabu da virgindade, a transa entre os namorados e o uso da pílula. A recorrência à prostituição ia perdendo terreno para a vida sexual amorosa. No PCBR houve uma preocupação em não separar casais. E foi aprovada no comitê regional, por proposta minha, o direito de se levar namorado ou namorada para transar nos aparelhos clandestinos, desde que cumprida a regra de segurança de se conduzir o parceiro de olhos fechados, para que não pudesse ser identificado o local. A questão do homossexualismo não se colocava. E, embora não fosse uma regra escrita, barrava-se a condição de militante aos homossexuais, retidos no círculo dos simpatizantes. Em 1968 me lembro de ter assistido a “Romeu e Julieta”, de Franco Zeffirelli, além dos diversos filmes dos sábados pela manhã, na sessão de arte que rolava no cinema São Luiz e era um momento de encontro da intelectualidade e da esquerda. O Teatro de Arena, o Teatro Popular do Nordeste, no Recife, e a Galeria do Mercado da Ribeira, em Olinda, também faziam parte do roteiro cultural da época.

MA - O Recife teria dado alguma contribuição específica aos debates travados em 68?

MMM - Não é significativa a participação do Recife nos debates teóricos acerca da revolução brasileira, embora tenha sido importante a sua presença quanto a pronunciamentos políticos e ação militante de personalidades e movimentos organizados das mais diversas correntes políticas de oposição.

MA - Vendo do ponto de vista atual, você reavaliaria a importância de alguns desses valores hoje ou manteria apoio total às bandeiras da época?

MMM - As bandeiras colocadas ou afloradas em 1968 permanecem, desdobradas ou figurando ao lado de outras que vierem depois. São bandeiras universais, que tremularam na Revolução Francesa e ainda não são triunfantes no mundo em termos globais, embora se verifiquem avanços específicos ou parciais. A humanidade ainda não se libertou dos flagelos da fome, da jornada de trabalho excessiva, das guerras imperialistas, do trabalho infantil, do trabalho semi-escravo. E a revolução tecnológica refletida no desenvolvimento capitalista, paralelamente ao desmoronamento do "socialismo real", colocou uma série de novos problemas, como a redução do uso da mão-de-obra, o desemprego crônico, a violência urbana, a ditadura da mídia, a elevação da longevidade, a superação das formas republicanas tradicionais e a necessidade de ultrapassá-las. No campo da militância há o grande desafio teórico e organizativo de entender o mundo de hoje e estabelecer programas estratégicos com linhas de conexão internacional e alimentando formas de mobilização e organização popular que ultrapassem o pântano do eleitoralismo e do imediatismo, dominantes na esquerda dos nossos dias. Hoje a pauta democrática é mais ampla e diversificada, permitindo um maior desdobramento de linhas de mobilização e ação militante. Neste sentido, as bandeiras de 1968 permanecem, e renascem em novas folhas.

MA - O que você acha de ter de falar sobre 68 para as novas gerações, com o eventual risco de saudosismo e idealização do passado que isso pode provocar?

MMM - Sou contrário à arrogância de gerações e à mitificação da Geração 68, posta como modelo irretocável, muitas vezes em comparações depreciativas à juventude atual, apresentada como individualista e cabeça-oca. Vi leituras semelhantes feitas pela Geração 64 à Geração 68. É preciso entender que a Geração 68 atuou em condições mais favoráveis do que as gerações que vierem depois. Sobre elas pesaram o AI-5, o Decreto 477, a implementação do sistema de créditos nas universidades – gerando uma rotatividade que dificultava o processo de organização –, a sofisticação da repressão política quanto à rede de informantes e repressão direta, o maior controle da mídia, a crise de desemprego e o refluxo dos movimentos sociais e políticos, além da queda do socialismo real e de uma grande influência político-ideológica negativista. Muitos dos heróis de 1968 não foram capazes de interpretar a sua experiência e continuar a trilhar uma ação política atrativa para a juventude. É bom lembrar da participação dos jovens na luta pela anistia, nas jornadas da Constituição de 88, no Fora-Collor. Falta sintonia com os problemas e os sentimentos da juventude atual. O PT surgiu com uma enorme atratividade, mas o abandono das suas idéias fundadoras levou a uma quebra de encanto. O desafio, portanto, permanece, e não diz respeito à juventude, como um problema seu. Ele é uma das questões estratégicas centrais a ser equacionada em termos teóricos e organizativos por uma esquerda conseqüente.

A entrevista com Marcelo Mário de Melo foi feita originalmente para a revista "Continente Multicultural" - http://www.continentemulticultural.com.br/ - e publicada, de forma resumida, na edição de maio de 2008, na matéria de capa sobre os 40 anos de 1968.

A esquerda de 68 se deteriorou”
[Entrevista de MMM ao Jornal do Commércio, Recife-PE, 07.05.08]


Ex-guerrilheiro do PCBR, o jornalista Marcelo Mário de Melo passou oito anos como preso político, e, embora mantenha seus ideais, hoje admite que 1968 não era o momento da luta armada. Ele reconhece que setores da direita se reciclaram e critica companheiros de esquerda que aderiram à “democracia burguesa” e abandonaram a pauta social.

JC – Que efeitos os acontecimentos de 68 no mundo tiveram sobre a história política do Brasil e de Pernambuco?


MARCELO M. MELO – Significaram uma grande mobilização popular. As passeatas estudantis eram engrossadas pela adesão do povo a bandeiras como liberdade de imprensa, autonomia universitária, combate à repressão, ao colonialismo. Isso ficou claro nas campanhas de voto nulo. Havia um sentimento de oposição forte. Houve mudanças sociais e o AI-5 veio em resposta a isso. Até o grupo autêntico do MDB se manifestava. A igreja, a frente parlamentar, os movimentos sindical, cultural.


JC – Havia uma diferenciação clara entre esquerda e direita, conceito contestado, hoje, por ambos os lados. O que mudou?


MARCELO – Todos que combatiam a ditadura eram tidos como esquerda, mas nem sempre eram. Eram democratas avançados, como Jarbas Vasconcelos. Mas quando o programa deles esgotou, não tinham mais função. Esquerda e direita permanecem, na medida em que se favorece mais a participação do andar de baixo ou do de cima da pirâmide social. O conceito de esquerda é fotográfico: mais abertura e mais luz. Abertura política e econômica, e transparência, que é controle civil sobre os meios de comunicação, sobre o Executivo, Legislativo e Judiciário. A esquerda que veio de 68 de certo modo se deteriorou, ficou no limite da democracia burguesa formal e começa a se igualar à política tradicional, o que é um equívoco. Acho que há uma pauta de esquerda grande a ser desenvolvida através das décadas, no processo histórico.


JC – A ditadura foi combatida por muitos segmentos e apoiada por outros. Como o senhor analisa hoje o posicionamento dos seus antigos adversários?


MARCELO – Existe uma questão de classe. A ditadura não surgiu porque a direita era sádica. Surgiu porque João Goulart tinha um pacote de reformas sociais que iam mexer com interesses econômicos. O golpe veio atender interesses econômicos, interesses geopolíticos dos Estados Unidos, que desenvolveram a política de golpes de Estado na América Latina. Havia os que se mobilizaram por contaminação ideológica e os que tinham uma clareza programática. Na medida em que a situação internacional se modificava, o desenvolvimento capitalista se consolidava e a esquerda era aniquilada no mundo, havia a necessidade de se reformular o modelo. Naturalmente houve uma reciclagem dos segmentos de direita. Os que falavam em civismo passaram a falar em cidadania.


JC – Ao longo de 40 anos, o pensamento político mudou. Antigos adversários estão aliados, a exemplo do que houve nos governos de FHC e Lula. Como explicar essas mudanças?


MARCELO – Houve mudanças de posição. José Múcio Monteiro, por exemplo, foi candidato a governador pelo PFL em 1986 e deu uma reciclada. Antônio Farias, prefeito nomeado pela ditadura, depois se aliou a Miguel Arraes e, na Constituinte, votou com todas as posições de esquerda. Se você estabelece uma aliança e atrai segmentos, não vejo nada demais, desde que mantenha suas posições. Arraes fez isso bem. Ele mantinha o projeto dele e dividia a oligarquia. Agora, a essência da política de FHC tem uma diferença. Nas privatizações, por exemplo, a Petrobras estava na pauta. Há uma diferença de alinhamento entre FHC e Lula. No Brasil, se não se faz alianças, não aprova nada no Congresso. O equívoco é que Lula deveria ter feito, no segundo mandato, uma eleição plebiscitária. Dizia ao povo que não estava conseguindo aprovar nada porque tinha minoria e convocava o eleitor a votar em senadores e deputados alinhados com a proposta dele. Se não se faz isso, tende a se articular pelas cúpulas, o que é um recuo.


JC – Distante de 68, como o senhor analisa sua participação no movimento? Faria alguma correção de rumos?


MARCELO – Éramos influenciados por um contexto. As guerrilhas na América Latina, ditaduras, golpes. Tendemos a reagir. Eu tinha uma visão ascensional. O Maio francês, a Primavera de Praga, as passeatas no Recife. Achávamos aquilo uma progressão. Aí a realidade veio com a patada do AI-5 e desencadeamos a luta armada. Jacob Gorender analisou a economia e viu que havia estabilidade na época, não era momento para a luta armada. Mas foi chamado de colaborador da direita. O momento da luta armada era em 1961, mas não nos prepararmos para 1964. A resposta, em 1968, foi só para salvar a honra, mas não era o tempo certo.

Observações de MMM:


1 - O último parágrafo está confuso. Afirmei que Jacob Gorender foi tomado no comitê central do PCBR como tendo uma posição “à direita”, dentro da esquerda, e não epitetado como “colaborador da direita”, no sentido geral, como está colocado na entrevista.


2 - Também há confusão nas referências a 1961 e 1964. Afirmei que aqueles eram momentos de se partir para o confronto armado com apoio popular, militar, e num contexto político mais amplo, coisa que não ocorria na conjuntura pós-ditadura, antes e depois de 1968.


3 – Também há confusão na localização da luta armada a partir do AI-5, quando se sabe que as ações armadas tiveram início antes dele.


Perfil de Marcelo Mário de Melo
por Larissa Brainer

O ano era 1961. A conjuntura política do Brasil era de luta pelas reformas de base. Dois anos antes, Cuba tinha sido palco de uma revolução que mudaria os rumos da política mundial. Internacionalmente, o contexto era de tensão, com as ditaduras ibéricas, de Salazar em Portugal e de Franco na Espanha, o continente Africano ainda colonizado e a Guerra do Vietnã.

Motivados por toda essa conjuntura, e com o objetivo de realizar aqui no Brasil, o que Fidel Castro havia feito em Cuba, jovens e adultos brasileiros se engajavam na luta política. Um desses jovens se chamava Marcelo Mário de Melo, então com 17 anos de idade. Vindo de Caruaru, onde nasceu, Marcelo, hoje jornalista e assessor de comunicação da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), havia chegado ao Recife ainda criança. E, naquele ano, decidiu entrar de vez na política filiando-se ao Partido Comunista.

A política sempre esteve presente na sua vida. “Eu tenho essa coisa genética de esquerda na minha família”, disse. Seu pai, José Ferreira de Melo foi revolucionário de 30 e comunista, e com seu irmão mais velho, José Fortuna de Melo, compartilhava o sentimento de que era preciso lutar um bem maior, coletivo.

Numa época em que só se tinham dois caminhos para seguir: calar-se diante do golpe militar e dos horrores por ele trazidos, ou ir em frente, arriscando a liberdade e a vida na luta contra o regime, Marcelo optou pelo segundo.

A militância passou a ser o primeiro e único plano na vida dele e assim deixou de lado a formação universitária, para se dedicar ao seu ideal. “Eu entrei em um nível de envolvimento político, que eu não entrei mais em faculdade, não fiz vestibular, era política 24 horas por dia“, contou. Sempre atuando nas frentes de comunicação, Marcelo começou a exercer a atividade jornalística, trabalhando na imprensa partidária e clandestina.

Diante da intensa militância do filho, “Zé Fortuna”, como era mais conhecido o pai de Marcelo, só recomendava cautela. “Tenha cuidado”, dizia nas ocasiões em que o filho saía para suas atividades políticas. Então, em 1969, Marcelo teve sua prisão preventiva decretada e entrou na clandestinidade. A comunicação entre os militantes clandestinos ficou difícil. “Nós tínhamos os chamados pontos, os encontros. Para saber como iam as coisas. Nesses encontros a tolerância era de 10 minutos, se alguém se atrasasse mais que isso, o encontro ficava para o dia seguinte”, explicou. O contato com os pais deixou de existir.

Os militantes passaram a formar então, os aparelhos, apartamentos onde moravam algumas pessoas e que servia de “quartel general”. “Tínhamos que manter as aparências, para não dar a entender que era coisa de estudante. Barulho de máquina de escrever, por exemplo, era subversivo fazendo panfleto. A gente tinha que camuflar o barulho.” Nessa época, Marcelo já se dedicava à literatura, ou literavida, como ele diz, escrevia poesias e também textos de humor, aliás, um de seus gêneros preferidos.

Preso em 1971, Marcelo, que agora fazia parte do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, foi levado a Casa de Detenção. Como tantos outros, foi torturado pela polícia. Na ocasião do lançamento de um de seus livros, o Manifesto da Esquerda Vicejante Mais Textos e Poemas, na Bienal do Livro de 2005, disse em uma entrevista no Café Continental que “a tortura é uma coisa muito difícil, e a fragilidade diante dela é um elemento doloroso”. Mas, para ele, o mais difícil foi agüentar a pressão psicológica na prisão, já que o cárcere restringe as relações afetivas, a privacidade e o acesso à leitura.

Em uma das prisões pelo qual passou, o Quartel da Polícia Militar de Pernambuco, durante uma greve de fome a qual os presos se submeteram, ele escreveu em um dos seus diários: “A gravidade se impõe naturalmente. Os momentos graves são substanciosos e inconfundíveis e nada têm de retórica”.

Marcelo Mário de Melo esteve preso por oito anos. Mas, mesmo preso e com a liberdade bastante limitada, não deixou de escrever. Para burlar as regras, ele escondia seus escritos e livros, em uma caixinha feita por ele mesmo. “Eu fiz a caixa com as laterais falsas. Todo mundo só se preocupava em fiscalizar fundos falsos, ninguém percebia as laterais, aí eu escondia minha coisas. Passei a carregar essa caixa comigo o tempo todo”, contou.

Libertado no ano de 1979, da Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá, Marcelo estudou jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco e passou a trabalhar na imprensa sindical. Também participou do jornal de humor de Recife, “O Rei da Notícia”, editado até 1988 e no qual ele publicou um dos seus textos de humor, o Manifesto Masculinista. No campo político, só atua para organizações e pessoas de esquerda ou centro-esquerda, no máximo. O motivo é que ele se declara um fiel seguidor do Departamento de Trânsito (Detran), destacando o que diz ser seu lema: “sempre à esquerda, não ultrapasse pela direita”.

O poeta, escritor, jornalista, que vê a poesia como uma espiral-arco-íris que envolve todas as introspecções, interações sociais e as viagens cósmicas, também diz que as pessoas precisam ter mais paciência pelo que buscam. “As pessoas precisam entender que o tempo histórico é medido em décadas e séculos, e não em meses e anos. Quem luta por algo esperando ver o resultado em breve, fica frustrado porque esse resultado vem somente depois de algum tempo”.

O humor, tema de muitos de seus livros, para ele, é “a linguagem da inglória e é através dele que você pode ver suas imperfeições”. Hoje em dia, Marcelo Mário de Melo, que me recebeu no seu escritório na Fundaj, em Casa Forte, diz ser mais radical, porém mais manso. E acredita que a radicalidade pode construir e destruir, mas que é preciso saber o momento certo de fazê-lo. Perguntado sobre o que ele diria hoje ao Marcelo de 20 anos de idade, disse: “Eu diria que ele não poderia ter feito outra coisa que não o que ele fez”.

[Para: Técnicas de Reportagem – Prof. Paulo Fradique, Universidade Católica de Pernambuco, 2008]